segunda-feira, janeiro 23, 2006

Eu tenho um pico de ouriço no pé que se chama Portugal

"Hoje foi mais um grande dia para a democracia". Estas foram as palavras de José Ribeiro e Castro, líder do CDS-PP - é verdade, eles ainda andam aí.
Não sem disfarçar alívio, muito se falou do "ciclo que se encerrava" e do período de "estabilidade" em que agora iríamos entrar. Esta é a ilógica suprema: a de que tudo se esgota num processo eleitoral. Está feito, conta-se os votos, agitam-se bandeiras poeirentas dos anos 90, abre-se o champanhe, dão-se os parabéns, corta-se a palavra, passa-se por cima, amanhã é outro dia e na próxima semana temos derby. No caso das eleições serem legislativas, a este processo acresce outro, mais moroso: o da distruibição da tacharia. Companheiros, amigos, primos e primas. Competências no lixo, qualificações esquecidas, salários de luxo, reformas douradas. Tudo está bem quando o centrão se move no pântano que todos aqueles que dizem mal dos "políticos que não fazem nada" - quando são eles mesmo que não fazem nada e votam sempre nos mesmos - ajudaram a criar.
Na Suécia, país das loiras giras, mas demasiado altas, o governo toma medidas: vamos criar taxas para impedir os carros de entrar na cidade. Dois a quatro euros, é o que paga quem quer entrar na cidade numa cidade sueca. "Andam-se a vender barato estes suecos", os tais que ganham mais vinte vezes que nós, vivem cinquenta vezes melhor que nós, e, ainda por cima, são mais altos que nós. Ou então, o cidadão que vive em Lisboa e paga a escandaleira que paga em estacionamentos está a ser enganado. O que é que interessa?
Lá dizia o Miguel outro dia em pleno travelling cinematográfico da Ericeira para Peniche: "seguradoras, bancos, gasolineiras,etc", toda a gente ganha mais neste país que quem faz por pôr a andar para a frente. É um facto, estamos atrás de todos menos no fosso cada vez maior que separa os ricos dos pobres - e não é conversa fiada, são 2 milhões de pobres. Botswana? Não, Portugal.

Estas eleições tinham um vencedor anunciado. Cavaco Silva. O "sonho português", o homem que subiu a pulso, taco a taco - o modelo pós-modernista da mediocridade lusa dos domingos à tarde. Ganhou quem publicitou esta campanha, quem o vendeu como o próximo presidente - e é verdade, foi a comunicação social, foi a alta finança, foram os grandes grupos de interesse - e não com interesse - em Portugal.
Ganhou a geração "jotinhas". Da bota perdigota, do jobs for the boys, do aparelho, do toma lá dá cá, da dança das cadeiras - uma geração que se alimenta do triste país onde vive. Ganharam Marques Mendes e José Sócrates e uma inteira geração que não sabe o que é a democracia além do partido, além do lugar, além da posição - a geração sobrevivência e subserviência partidária. Uma geração que tem como ícones os obreiros do desastre em que se tornou este país. A geração que enterrou Abril, yuppies sem convicção, elegeu Cavaco.
Fora desse eixo, sobram os outros. Jerónimo, Louçã. O secretário-geral do PC, genuíno, beneficiou de ter largado a concertação inicial com Soares, logo que entendeu o caminho para onde Super Mário iria: de volta ao videojogo imaginado por Sócrates e Pedro Silva Pereira e demais ex-jsds que neste momento lideram o Partido Socialista. Apesar de não valer mais que o PC, Jerónimo foi um poço de força e consegiu os seus objectivos principais: ficar à frente de um Louçã, de uma pobreza franciscana, finalmente desmascarado - aquela pseudo-superioridade moral de esquerda nunca antes tinha sido atacada como o foi por Manuel Alegre. Louçã, mais que Jerónimo, tinha medo de Alegre. Um espaço à esquerda do PS, meio indefinido, de protesto, estava em jogo. E Louçã, para quem um voto é mais do que um voto, é comida na mesa do Bloco de Esquerda, não hesitou em atacar a candidatura de Alegre e elegê-lo como adversário.
Mas não foi só Louçã. Quem ouvi o vergonhoso programa da Antena 1 antes das eleições, percebeu que não era só Louçã - ou Soares- a temer Alegre. Carlos Magno e amigos, naquela noite, fizeram história ao errar estrondosamente nas suas previsões - formatações? - pré-eleitorais, com indicações ignorantes sobre as tendência de voto. Aliás, já as pessoas percebiam que Alegre ia ter uma grande votação e o candidato era sistematicamente ignorado - ainda que as sondagens, até as sondagens, mostrassem o contrário. A luta era entre Soares e Cavaco - e este já estava coroado. Havia indicações claras para colocar Cavaco na presidência, criar a imagem que já era um dado adquirido essa vitória - e que só poderia ser posta em causa por Soares, o que, naturalmente, só podia desmotivar quem não queria ver Cavaco na Presidência. Alguém dúvida que isto influenciou o resultado das eleições?
Mais uns quantos ilustres, da esquerda à direita, na rádio, na televisão, Alegre era a piada. Dos inqualificáveis Danieis Oliveiras, aos transtornados Delgados.
A lógica da percentagem partidária acima de tudo. Mais ou menos pontos. Entre um sistema partidário cada vez mais obtuso e uns media asfixiantes, parecia não haver mais nada. Vale tudo menos ouvir as pessoas, os seus anseios, as suas esperanças, a sua voz, os seus sonhos.
A candidatura de Manuel Alegre foi tão só um movimento de cidadania. Esse espaço está criado. Contra tudo e contra todos. Quem tem medo da democracia?
Manuel Castro

4 Comments:

At 11:50 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Epá! Este blogue já vale a pena! Só com este post! É triste mas também motivador, saber que vou ter de escrever depois disto...

 
At 12:13 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Tens uma boa desculpa para o atraso...sua..

 
At 2:15 da tarde, Blogger L said...

realmente, grande post sim senhor!

 
At 5:24 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Enjoyed a lot!

 

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