Passados poucos dias desde o começo da campanha para o referendo que vai decidir se as mulheres que praticarem uma Interrupção Voluntária da Gravidez vão continuar a fazê-lo às escondidas, sem o mínimo de condições, a ser julgadas e presas por isso ou se, por outro lado, vão ser finalmente criadas condições neste país para que este problema, de cujo fim não trata este referendo mas cuja decisão final pode ajudar a escolher o melhor caminho, possa ser encarado como em todos os países civilizados: com bom senso.
A campanha do Não é uma não-campanha, porque parte de uma série de pressupostos que não estão em discussão. Para simplificar, esta é a pergunta.
"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"
Reparem que a pergunta não é "Jesus ama Osama Bin Laden: Sim ou Não?", "A minha religião é maior que a tua: Sim ou Não?" ou, muito menos "Concordo com o aborto: Sim ou Não?".
A pergunta é se as mulheres devem (ou não) deixar de ser penalizadas se quiserem interromper voluntariamente a sua gravidez, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.
Eu voto Sim.
Não me vou dar ao trabalho de discutir a pergunta, o que interessa é a resposta - a resposta para um problema.
Compreendo que haja muita gente que não queira discutir a resposta para este problema, aliás, nunca quiserem discutir a resposta para os problemas (dos outros), e nunca o vão fazer de livre vontade.
A verdade é que o aborto vai continuar a existir e não é por se votar "Não" que assim vai deixar de ser.
Mas há pessoas que, de um modo que eu considero no mínimo medieval e Inquisitivo preferem manter o aborto como um pecado clandestino - longe da vista - castigando as "rameiras" (e esta palavra é citada do blogue Incontinentes Verbais para ver ver o nível a que a discussão chegou) impuras que se atrevem a praticá-lo.
Ou então, vá lá, que morram longe, já que só as podemos torturar mentalmente.
Onde quer que os ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem em defender a heresia apesar das advertências, a privá-los para sempre de seus benefícios espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação, solicitando em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua oposição, se isto for necessário, por meio de censuras eclesiásticas inapeláveisPapa Gregório IX, 1233
Portanto, "essas", as "outras", que continuem a fazer (e acreditem que vão continuar a fazer) abortos em condições miseráveis e a passar por situações de sofrimento inimaginável, com risco de prisão e julgamento social. Isto excepto, claro, se estejamos a falar de uma famílias abastada, daquelas que defende o Não e aborta SIM numa clínica de luxo, seguindo à linha aquela tradição hipócrita conservadora que resume muito bem no "faz o que eu digo, não faças o que eu faço" - sempre foi assim, sempre será.
Quem acha que, com o Sim o "facilitismo" na IVG virá a reboque, está a passar um atestado de idiotice às mulheres, como se uma mulher encarasse um aborto com felicidade e com prazer e não como um último, triste e final recurso, que só ela, e mais ninguém - nem o Sim, nem o Não, nem o talvez - poderá decidir.
O Não tem vindo a tratar as mulheres como verdadeiras atrasadas mentais, de um modo misógeno e machista,
tentando ainda manipular de um modo escandaloso (e felizmente ignorante) as opiniões, escudando-se no valor da vida como se este não fosse um valor universal, mas um exlusivo de meia dúzia de católicos dos bons costumes, os tais que só pecam às escondidas.
Eu estou com o Sim. MC