domingo, janeiro 29, 2006

Se cá nevasse...

Há acontecimentos altamente improváveis. Como a imprevista queda de neve hoje em vários lugares absurdos de Portugal. E como a vitória do Sporting ontem na Luz. Acontecimentos que desafiam a lógica e o senso comum, e por isso têm o seu quê de únicos e especiais. Quanto à vitória do Sporting, não é estranho a vitória em si. Os três pontos puderiam pender para uma ou outra equipa, é só um jogo, e um jogo grande - e tudo pode mesmo acontecer. Estranho é a facilidade quase pornográfica com que o Sporting ganhou o jogou. O Benfica no seu pior, o Sporting no seu melhor, uma coincidência estatística, um jogo num milhão. Eu, que não vi o jogo todo - a primeira parte desiludiu-me muito, fiquei muito zangado com o Benfica e antevi o pior - consigo olhar deste modo frio para o jogo. E nem se consegue dar os parabéns aos adeptos do Sporting, são os piores, não sabem perder, e pior, não sabem ganhar. O Sporting tem uma boa equipa, com futuro, tem um bom treinador e foi bom para eles terem ganho a uma equipa imensamente superior - só por aí se consegue perceber tanta euforia.
Se quanto às reações oficiosas estamos conversados, as oficiais deixam muito a desejar.
Desde Ricardo, a dizer que o Benfica devia dar "graças a deus" por não ter levado sete, ao treinador Paulo Bento a falar em falta de respeito por parte do treinador do Benfica durante a semana, estas são reacções no mínimo tristes, e caem no absoluto rídiculo - de uma ordinarice patética.
O discurso pós-jogo seria sempre pseudo-revoltado por parte do Sporting. Reflexivo, fosse qual fosse o resultado. Ou iam falar do árbitro, que nos últimos anos é a desculpa permanente para a incompetência da sua equipa de futebol, ou então, como aconteceu, iriam tentar justificar de certo modo esta vitória como uma vitória contra qualquer coisa incerta e obscura - um bocado na linha do Octávio Machado. Foi esse o discurso de Paulo Bento, uma pessoa que me merece muito respeito, ao falar "da falta de respeito do treinador do Benfica" durante a semana. Às vezes, e só às vezes, principalmente sem ser no Natal e no Ano Novo, mais vale ser brasileiro, como o Liedson, e falar de futebol, de relva e de golos, e dizer tão só "marcámos três e acabou, fizemos um grande jogo, ganhámos".
Esse complexo do coitadinho é irritante e tira todo o mérito aos excelentes jogadores que o Sporting tem, como o Liedson, o Carlos Martins, o Moutinho, o Custódio. Não é só por acaso que falo destes últimos três. Para além de serem excelentes jogadores, novos e com alto potencial - ao contrário do Benfica que relega para o banco o seu único (!) jogador português com o mesmo tipo de potencial, Manuel Fernandes - , foi aí que o Sporting ganhou o jogo.
Três óptimos jogadores no meio campo, para dois do Benfica e quando um dos dois é o Beto...a coisa complica-se. Koeman, que tem alguns tiques de Scolari, é teimoso e com Beto essa teimosia começa a custar pontos. O penalty que Beto provocou é tipíco da Segunda Liga, é grosseiro, é impensável, não pode acontecer na Primeira Divisão, muito menos no Benfica.
Mas antes de crucifixar o Beto - o que não quero fazer, porque primeiro é um jogador altamente trabalhador e, sobretudo, não tem culpa que o ponham a jogar- devo dizer que acredito que este ano vai ser o ano do Benfica e tenho a plena confiança que vamos ser campeões e, talvez, passar à próxima fase da Liga dos Campeões.
Tal como o ano passado o Benfica teve uma derrota humilhante com o Beira-Mar, e foi humilhante, como esta, porque o Benfica não fez nada para ganhar, talvez daqui se possa tirar alguma coisa de positivo. É que se há alturas para boas para perder, bater no fundo e tentar pensar um bocadinho no que está mal, foi esta a altura certa.
Haja agora força para reunir as tropas, ter orgulho, sentir raiva de perder e reagir. Falta um bocado de paixão a esta equipa do Benfica, está demasiado mecanizada. A isso acho que não é alheio o facto de jogarmos com 7 estrangeiros na equipa, enquanto no ano passado jogávamos com 8 portugueses. Precisamente, como o Sporting jogou ontem - o que é muito inteligente. Porque não peçam a um estrangeiro para sentir o peso de um derby, ou o peso de uma camisola, o peso de ganhar e perder um derby, do mesmo modo que um português, muito menos a jogadores novos, habituados desde sempre a esta rivalidade, quem vem, não só desde há um século, como desde as camadas jovens, escalão a escalão - perguntem ao Caneira, ao Custódio, ao Sá Pinto, ao Moutinho, ao Carlos Martins, ao Abel, ao Ricardo, como bem lhes soube ter ganho.
Quem entra num derby, tem que entrar para comer a relva, e não para fazer o seu trabalho de fim de semana, igual aos outros - e é essa lógica fria de Koeman que fez perder este jogo, na minha opinião (e verdade seja dita, talvez tenha sido o mesmo que nos fez ganhar nas Antas...).
Eu sou treinador de bancada, mas gosto muito de respeitar quem percebe mais que eu, neste caso quem trabalha todos os dias com os jogadores e lhes mede o pulso. Mas também digo, acho incacreditável que jogadores como Manuel Fernandes e Nuno Assis não caibam nos planos de Koeman. Há muito campeonato pela frente, o Benfica não perdeu nada e, sobretudo, o Sporting não ganhou nada - o que dá razão a quem pense, como eu, que os efusivos festejos pela vitória de ontem, sejam mesmo pela vitória no campeonato da Segunda Circular.
Por isso, os meus parabéns aos sportinguistas que sabem ganhar - infelizmente, uma espécie pouco conhecida, mas nem por isso menos digna. Aos que não o sabem, como disse o Luisão o ano passado, e espero que o tenha repetido no balneário, em Maio falamos.
Manuel Castro