A noite, como todas as noites londrinas, estava fria. Mas estava escrito que aquela não seria mais uma noite londrina. Seria sim, mais uma
daquelas noites.
Estávamos em Novembro de 1991 e depois daquele empate caseiro com o Arsenal a um golo, era obrigatório ganhar, ou, no mínimo, empatar a dois ou mais golos, para garantir a passagem à primeira edição da Liga Dos Campeões, que era então uma mera poule em trânsito para um modelo competitivo completamente diferente do anterior.
Highbury Park foi o cenário para Isaías assinar o seu lugar na história do clube e esmagar o Arsenal, mas mesmo antes do jogo começar percebia-se que o Benfica poderia ganhar.
O onze aparece disposto no ecrã da televisão quase como um cenário futurista, que não existia em Portugal, com as peças colocadas num campo virtual no ecrã que tentava desenhar a táctica.
Eriksson, então como hoje, sem medo em apostar em perfeitos desconhecidos em grandes palcos - lembro Theo Walcott, de 17 anos, cuja frieza nórdica achou ser útil à sempre envolta em febre mediática selecção inglesa no Mundial - lança Rui Costa.
Pormenor: Número 10, na altura em que os onze números se escolhiam na hora.
O número 10 era o de Rui Costa e, desde aquela noite, até hoje, nunca mais deixou de ser (mesmo que Futre a tenha usado na mesma equipa de Rui Costa, isso é um pormenor), apesar de Rui Costa ter vestido duas outras camisolas e o número 10 do Benfica ter sido vilependiado por outros quantos - Nelo à cabeça.
Rui, descoberto por Eusébio num treino de captação - onde se descobriam jogadores antes de aparecerem esses engravatados empresários detectores (detractores?) de talento - sempre foi um apaixonado pelo Benfica.
Filho legítimo da camisola 10, um jogador fabuloso, com traços de
regista como Giannini mas com o génio cigano como só o Benfica poderia oferecer, a dar à geometria do seu futebol uma tonalidade de criatividade raríssima no mundo, nunca disfarçou o amor ao clube. Quando cá jogou, quando saiu, quando contra nós marcou, quando suspiramos por ele durante 12 anos seguidos e ele respondia sem disfarçar o encanto e a saudade.
Cartas de amor em tempo de guerra no futebol.
Depois de 12 anos adorado em Itália - não há, no mundo inteiro, melhor currículo que ser um deus do
calcio - agora, finalmente, felizmente, inevitavelmente, o regresso.
Bem-vindo Rui Costa.
Manuel Castro